O ato de reler
O que te faz escolher um livro para reler? E como você sente essa leitura da história já conhecida? Acredito que a primeira diferença na leitura é o fato de estarmos livres da ansiedade de “saber” o que vai acontecer. A primeira leitura, na maioria das vezes, é guiada para que a história se revele. Tenho a sensação que depois que começamos um livro precisamos de alguma forma esgotá-lo, chegar ao fim daquela trama. Quando pegamos um livro já lido para reler, a aventura é outra. Como já sabemos o que vai “acontecer”, podemos usufruir de outras camadas na leitura. A condução de uma releitura pode ser em direção às palavras, frases, aos detalhes não percebidos à primeira vista. Acredito que a leitura nesse outro impulso nos dá a possibilidade de criar ainda mais sentidos. Nossos olhos vão para outros cantos da história. Talvez, ao final de uma segunda leitura outras questões nos alcancem e sem a ansiedade de saber o desenrolar do enredo, possamos nos instalar no livro e desfrutar das outras inúmeras camadas que ele tem.
Émile Faguet, no seu livro “A Arte de ler” diz:
“Relê-se, ainda, para desfrutar do detalhe, para desfrutar do estilo. A primeira leitura é para o leitor o que a improvisação é para o orador. É coisa sempre um pouco impetuosa. Mesmo que se tenha um temperamento muito saudável ou mesmo que se tenha um bom método de leitura, não se pode evitar completamente a pressa: com um filósofo, para ver qual é sua idéia geral e quais são suas conclusões; com um romancista, para ver como termina a história. Precipitação detestável, mas da qual ninguém está isento. […] Reler é ler nossas memórias sem se dar ao trabalho de escrevê-las. Nisso talvez esteja todo o proveito.”
Gosto de pensar na releitura como esse reencontro com as nossas memórias, porque na primeira leitura, por mais que a pressa “em saber” tenha nos guiado, ela produziu marcas. A experiência da leitura se inscreve no nosso corpo e deixa rastros de sentimentos e pensamentos colhidos nesse livro. Quando escolhemos reler o livro que tanto nos impactou, são por essas marcas que caminhamos novamente, vamos reencontrar nós mesmos nessa leitura e também produzir novas marcas.
Essa leitura em camadas mais profundas nos oferece uma experiência muito diferente daquela que fazemos no rastro da trama. Esse retorno ao livro, esse tempo de revisitar, nos coloca nessa busca mais investigativa e, portanto, numa leitura ainda mais pessoal. No ato de reler não estamos no impulso de “saber”, mas de buscar.