O desafio do espaço, tempo… e da espera
Lembro de finalizar 2013 bem frustrada quanto às minhas experiências de leitura. Foi um ano que li muito pouco além dos livros técnicos. Fui tomada pelo trabalho e o cansaço era imenso. Estava na ponte aérea semanal (passei 10 anos entre Curitiba e São Paulo) e de fato estava esgotada para ler outras coisas. A “leitura profissional” já ocupava meu tempo.
Entrando em 2014 decidi me colocar a prova e ler um livro de ficção por semana. Para quem me conhece sabe sobre a minha paixão por listinhas e o quanto a minha formação em ballet clássico me moldou na disciplina. Então, imaginei que estava traçando a melhor estratégia para voltar a ler ficção. E para melhorar a questão do compromisso, porque não postar no Facebook? Assim registro a minha trajetória e mantenho o meu compromisso público.
E sim, terminei 2014 lendo os 52 livros escolhidos. Foi uma experiência muito interessante, mas confesso que não acho ser a melhor forma de se permitir ler um livro. Portanto, decidi começar por contar essa minha experiência justamente para trazer os pilares que escolhi para a Como Leio. Acho que é honesto enumerar o que foi positivo e negativo desse desafio. Sempre há os dois lados, não é?
Quando decidi fazer o desafio percebi que rapidamente havia construído um espaço/tempo para que a leitura existisse. E quando digo espaço não estou falando daquela poltrona maravilhosa, com uma estante de livros incríveis e uma taça de vinho ou xícara de chá. Ou, a lembrança que tenho de um professor que dizia que lia 3 horas por dia pelas manhãs e a gente olhava com aquela cara de “que horas você dorme?” rsrsrs. Hoje consigo entender o que ele estava mostrando a respeito do seu próprio processo e que na época eu não alcançava, apenas me ressentia de não conseguir ler 3 horas por dia.
Mas, voltando, descobri com o desafio que, antes mesmo de começar, era preciso construir um espaço para que a leitura acontecesse. E hoje percebo que esse espaço tem muito mais a ver com o corpo do que com espaço físico ou tempo de relógio. Sabe quando você entra em um ônibus lotado e vê alguém em pé, encostado na porta e com um livro na mão? E você pensa, como consegue ler nessa situação? Pois bem, acredito muito que para que a leitura aconteça é necessário esse espaço/tempo criado no corpo. Podemos achar que a leitura é uma atividade corporal passiva, mas não é. Existem de fato efeitos no corpo e precisamos lembrar que tanto o espaço quanto o tempo de leitura serão experimentados no corpo, como nos mostrou Yuval Noah Harari, no livro “21 lições para o século 21”:
“Humanos têm corpos. Durante o século passado a tecnologia nos distanciou de nossos corpos. Perdemos a capacidade de dar atenção ao que tem cheiro e gosto. Em vez disso, ficamos absorvidos com nossos smartphones e computadores. Estamos mais interessados no que está acontecendo no ciberespaço do que no que está acontecendo lá embaixo na rua. Está mais fácil do que nunca falar com meu primo na Suíça, mas está mais difícil falar com meu marido no café da manhã, porque ele está constantemente olhando para seu smartphone e não para mim.”
E era assim que em 2013 tinha perdido a conexão com o meu corpo. Minha rotina de viagens, consultórios, duas casas, duas cidades, era toda pautada no relógio. E uma das coisas que essa rotina me deu foi a exata percepção de que não poderia me atrasar para o trabalho. Porque avião não espera você, não dá para pegar o próximo porque a agenda não permite, enfim, não era à toa que não estava conseguindo ler ficção. Mas, dentro dessa rotina louca, criei um espaço/tempo para a leitura justamente nas esperas, porque me dei conta que minha vida era pautada no relógio, mas também em esperas: espera do voo, espera do táxi quando chegava no destino e quando voltava para a origem (que em alguns momentos, confesso, ficaram bem confusas, srsrs, de onde eu vinha? Para onde eu ia?)
Em pouco tempo percebi que nos momentos de qualquer espera eu entrava em um outro lugar, meu corpo relaxava mais e eu de fato conseguia me entregar para a leitura sem dificuldade. Acredito que o saldo do desafio nesse pilar foi bem positivo, porque de fato a consciência da minha rotina, de que não iria trabalhar menos para poder ler, pois não era uma realidade possível, fez com que eu precisasse construir esses espaços e tempos com o que tinha na mão e não idealizar esses momentos para a leitura. E também percebi que por mais ocupada que estivesse podia encontrar respiros que me proporcionassem imaginar outros lugares, outros tempos, outras vidas…