O quarto de Giovanni

 

Até onde pode ir o desejo por alguém? O livro “O quarto de Giovanni” é a narrativa em espiral de David, um americano que está passando uma temporada em Paris e encontra Giovanni, um jovem bartender italiano. E a partir daí, nada mais permanece no lugar dentro de David. Durante toda a leitura, o ponto central dessa espiral é o exílio e a crise existencial que ele opera. E aqui, o exílio não se trata apenas da distância da sua terra natal, apesar dos três personagens principais serem estrangeiros, e de fato a questão casa, estranhamento e pertencimento estarem presentes. Mas a questão no livro é a palavra exílio expandida ao extremo e o que acompanhamos é a espiral de desejo de David. Aquilo que ele consegue revelar do próprio desejo e aquilo que não revela nem para si mesmo. O exílio acontece no pequeno e distante quarto de Giovanni. E é nesse território privado que David se ocupa do enigma que é o próprio desejo e a incapacidade dele de saber o que fazer de si. Vamos acompanhando esse mergulho psicológico de David na exploração do próprio desejo, do prazer no corpo, das possibilidades de amar até a chegada da sua namorada, Hella, que estava na Espanha e retorna. Nesse momento David vai ser confrontado por tudo aquilo que imaginou, experimentou, pelos padrões sociais que são esperados dele, pelas expectativas do futuro e por todo o caldeirão de sentimentos presentes quando estamos diante do próprio desejo. Ao final, podemos nos perguntar: diante do desejo, quais são, mesmo, as possibilidades?

 

A casa no estrangeiro e o estrangeiro na casa

 

O estrangeiro possui um lugar privilegiado no romance. E nos é apresentado em camadas, porque na primeira camada os personagens centrais são todos estrangeiros em Paris. Então podemos pensar nas questões que se desenrolam quando não estamos na nossa terra natal. O que o desenraizamento pode causar? E quais os pequenos gestos em que o pertencimento pode ocorrer? A noção de casa ou a falta dela, o ficar ou retornar, são questões que quem sai de casa se depara. E em cada personagem, “a casa” vai apontar algo. Gosto desse trecho em que David fala sobre a casa:

 

 

“Havia um marinheiro, todo de branco, vindo pelo bulevar, andando com aquela ginga engraçada dos marinheiros e com aquela aura esperançosa e dura de quem precisa fazer muita coisa acontecer em pouco tempo. Eu o olhava fixamente, embora não me desse conta disso, desejando ser ele. O marinheiro parecia – de algum modo – mais jovem do que eu jamais fora, e mais louro e mais belo, e ostentava sua masculinidade de modo inequívoco, tal como exibia a própria pele. Ele me fez pensar na minha casa – talvez a casa da gente não seja um lugar, e sim simplesmente uma condição irrevogável”

 

 

Sim, a casa é condição irrevogável, seja ela onde for. Lembrei de uma frase linda do Mia Couto em que ele fala que: “O importante não é a casa onde moramos. Mas onde, em nós, a casa mora.”

 

Mas, avançando nas camadas de estrangeiro, encontramos o inconsciente freudiano. O quanto essa casa existe, mas tampouco estamos no controle ou somos donos dela, como Freud dizia: “o Eu não é senhor em sua morada.”

 

E esse é o caminho que acompanhamos no livro, a ocupação dessa morada, com nada pré garantido ou definido, diante do desejo que nos escapa, dos erros e acertos, do que conseguimos assumir e daquilo que escondemos até de nós mesmos. “O quarto de Giovanni” é um livro intenso sobre o processo subjetivo, que nos carrega do começo ao fim e não temos como escapar do enigma que é o ato de desejar e seus desdobramentos.

 

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