Sobre espaço, hábito e sentimentos

No ano passado me deparei com um texto da escritora Marina Colasanti chamado: “Como se fizesse um cavalo ou avaliando minha dívida com a leitura”. No texto ela diz:

 

“Quero dizer que não tenho, em minha vida, experiência de não leitura. Nunca houve um começo formal, um primeiro livro. Deslizar das histórias que me eram lidas para minha própria leitura foi tão suavemente progressivo e natural que não me dei conta. A impressão que me ficou é de sempre ter lido. E de sempre ter lido com encantamento.”

 

Não pude deixar de pensar na minha própria história com a leitura e perceber também as minhas dívidas. Diferentemente da escritora, eu não comecei a minha existência imersa em histórias, vozes e livros. Eu me lembro quando tive esse momento inaugural com os livros e eu já estava na escola. Mas, compartilho com ela desde sempre o encantamento que aquele objeto me causou e hoje percebo o que ele também instituiu na minha vida.

 

A primeira coisa que pensei quando criei a Como Leio foi: em quais pilares eu vou construir esse projeto? Como começar esse caminho? No início de qualquer projeto é muito difícil saber exatamente o que se é. E esse é um momento bem frágil, pois sentimos o que queremos, mas nem sempre ainda conseguimos traduzir. É um momento muito solitário, ao menos foi assim que me senti. Mas, como os livros nunca nos desamparam, o início não poderia se dar de outra forma.

 

Precisei mapear o que era o processo de leitura. Eu já tinha um percurso de estudo sobre linguagem, escrita e literatura com a Psicanálise, mas nunca estudei pedagogia e nem teoria literária de forma estruturada. Mas, me interessavam não só os efeitos produzidos pela leitura, mas o que e como ela opera. Fui então para os livros e fui criando um mapa com pequenos avisos, determinando limites, escolhendo alguns temas e me aprofundando, passando por outros, enfim, criando de fato uma metodologia que pudesse me dar um entendimento sobre o processo. E, mais ainda, sobre o meu processo. Mais um momento de solidão e também de insegurança: Como assim você quer criar uma metodologia? Você não é especialista… Essas questões me ocuparam por muito tempo. Até entender que sim, metodologia é a maneira que faz a gente chegar do ponto A ao ponto B. E todo mundo pode ter seu modo de fazer isso. Claro, com responsabilidade sobre os limites, mas me permiti pensar em algo a ser criado e não algo a ser reproduzido. Então, comecei o meu mapa e acabei estruturando três pilares para a Como Leio.

 

Espaço e tempo: acredito que a leitura é capaz de criar tanto um espaço quanto um tempo distintos daquele vivido no nosso dia-a-dia. Sair desse automatismo é uma forma de se permitir viver em uma outra lógica, onde o imperativo de ser produtivo e utilitário podem ser desligados.

 

Hábito de leitura: o reconhecimento da sua jornada como leitor, do caminho singular que cada um percorre para de fato ter os livros como companheiros. O hábito de leitura, ou de qualquer outra coisa, é uma conquista, é algo construindo aos poucos, até que um dia você acorda e percebe que ele está instituído.

 

Pensar e sentir: esse pilar é um universo imenso, pois é tudo aquilo que encontramos e construímos com a leitura, a nossa capacidade para sentir e pensar nós mesmos e o mundo.

 

Nos próximos posts eu vou detalhar melhor cada um dos pilares, mas antes de terminar, gostaria de deixar uma listinha de referências que ocupei nesse primeiro momento para pensar a Como Leio.

 

Listas de referências:

 

Livros
– Vários escritos – Antônio Candido
– Pedagogia da autonomia: saberes necessário à prática educativa – Paulo Freire
– O leitor como metáfora: o viajante, a torre e a traça – Alberto Manguel
– Por que ler os clássicos – Italo Calvino
– O mundo da escrita – Martin Puchner
– Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva – Michèle Petit
– A leitura, outra revolução – María Teresa Andruetto
– O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era – Maryanne Wolf
– Como se fizesse um cavalo – Marina Colasanti.

 

PDFs
– Literatura nunca é apenas literatura.
– Notas sobre a experiência e o saber de experiência.
– Desejo e a aprendizagem da leitura e da escrita.

 

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